Reportagem publicada no jornal Valor Econômico, há alguns meses, informava que a Receita Federal identificou um “filão de arrecadação” e tem intensificado, nos últimos meses, autuações contra empresas que não vêm recolhendo a contribuição previdenciária adicional aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT). Esses valores devem ser pagos pelos empregadores quando há empregados expostos a agentes nocivos, como agentes químicos, biológicos, radiação, ruído e outros agentes físicos e que, portanto, teriam direito a aposentadoria especial.
Além das alíquotas básicas da contribuição ao RAT, instituídas por meio do art. 22, II, da Lei nº 8.212/1991, que correspondem a 1%, 2% e 3%, nas quais cada contribuinte se enquadra de acordo com a atividade econômica desenvolvida, o §6º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 instituiu a obrigação ao recolhimento da Contribuição com base no acréscimo das alíquotas em 12%, 9% e 6% nos casos em que o trabalhador estiver sujeito a condições de trabalho que lhe outorgue o direito à aposentadoria especial de 15, 20 ou 25 anos de contribuição.
Em princípio há obrigatoriedade de pagamento do adicional do RAT pelo empregador em relação a trabalhadores expostos a riscos ambientais de trabalho de forma permanente, não sendo devido o adicional em relação a trabalhadores que estão expostos a riscos ambientais do trabalho físicos, químicos e biológicos de forma ocasional, eventual ou intermitente, bem como a trabalhadores expostos a ruído, cujos níveis de exposição estejam abaixo dos limites de tolerância permitidos pelas normas regulamentadoras.
Ademais, a legislação de custeio previdenciário determina que o EPI – Equipamento de Proteção Individual tem potencial capacidade de reduzir a exposição do segurado a níveis toleráveis, descaracterizando a concessão de aposentadoria especial, e, desta forma, o EPI eficaz, nos termos da legislação, elide a obrigação do empregador de recolher o adicional ao RAT.
Portanto, a legislação previdenciária exige, para concessão de aposentadoria especial, a comprovação do tempo trabalhado cumulado com a exposição permanente do segurado, não ocasional nem intermitente, a agentes nocivos.
Não havendo direito a aposentadoria especial em razão de não haver exposição dos empregados a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou a associação desses agentes, de forma permanente, não ocasional nem intermitente e também diante da adoção de medidas de controle, com a utilização de EPI, eliminando ou neutralizando a exposição de agentes de risco, é indevido o acréscimo da alíquota básica do RAT em seis, nove ou doze pontos percentuais.
![trabalhador usiando EPI](https://static.wixstatic.com/media/11062b_5962c26c012b471095abd5cbefb7a91e~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_653,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/11062b_5962c26c012b471095abd5cbefb7a91e~mv2.jpg)
Ocorre que, não atendidas tais condições, haveria o direito à aposentadoria especial, estando o empregador sujeito ao pagamento da contribuição adicional ao RAT, situação reiterada no julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do ARE 664.335 RG, que analisou discussão a respeito da negativa de concessão do benefício, sob o argumento de que a empresa fornecia ao segurado EPI inibidor de ruído, fixando duas importantes teses: (i) o direito à aposentadoria especial pressupõe efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo, de modo que se o EPI for capaz de neutralizá-lo, não haverá direito ao benefício; (ii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial.
Nesse contexto e considerando ainda o Ato Declaratório Interpretativo nº 2/2019 pela RFB, que atesta, expressamente, a necessidade de pagamento da contribuição adicional nos casos em que houver concessão de aposentadoria especial, constata-se que há exigência atual quanto à obrigatoriedade do pagamento do adicional do RAT.
Assim, objetivamente, identificadas certas condições para concessão de aposentadoria especial para determinado empregado, o empregador estaria obrigado a pagar a contribuição para o custeio da aposentadoria daquele empregado.
Note-se, no entanto, que deverá o empregador pagar a contribuição no decorrer do tempo de trabalho, em relação aos empregados sujeitos a tais condições, sendo que a concessão de aposentadoria especial ocorrerá quando dos pedidos dos empregados, vários anos após realizados os pagamentos pelo empregador.
Todavia, há uma nova situação, trazida pela Reforma da Previdência de 2019 que torna questionável a validade da cobrança do adicional ao RAT em qualquer situação.
A Emenda Constitucional nº 103/19, que introduziu a Reforma da Previdência Social, alterou o sistema de aposentadoria especial, principalmente para aqueles segurados que entrarem no sistema previdenciário após a sua vigência, ao vincular o seu gozo a requisito de idade mínima do segurado. Antes da Reforma da Previdência, o direito à aposentadoria especial estava vinculado, exclusivamente, ao tempo de exposição ao agente nocivo, de 25 anos de atividade especial de risco baixo, de 20 anos de atividade especial de risco médio e de 15 anos de atividade especial de risco alto.
A forma de fixação do valor do provento de aposentadoria especial para o segurado também foi alterada. Na sistemática anterior, a aposentadoria especial era integral e equivalia a 100% da média salarial do trabalhador. A partir de novembro de 2019, com a vigência da Reforma, o benefício passou a ser de 60% da média e cada ano a mais de contribuição acrescenta 2% da média salarial ao valor final da aposentadoria.
De se ressaltar ainda que a Emenda Constitucional 103/19 impossibilitou a conversão do tempo trabalhado em atividade especial para tempo de serviço comum, significando que se o segurado não trabalhar em atividade especial pelo tempo mínimo exigido, o tempo trabalhado em atividade especial será considerado como tempo comum, resultando totalmente inócua a contribuição do empregador para o adicional do RAT, com o objetivo de custear a aposentadoria especial do segurado.
Até 12/11/2019, os requisitos exigidos eram aqueles pertinentes e previstos pelas regras anteriores a Reforma, ou seja, o principal requisito para concessão da aposentadoria especial aos trabalhadores que exerciam atividades insalubres, perigosas e especiais é o trabalho com risco à integridade física por 15 anos, 20 anos e/ou 25 anos, sem previsão de idade mínima, pois era garantido através do chamado direito adquirido.
Com a Reforma, essa sistemática foi alterada, com a instituição de duas possibilidades.
A primeira, uma regra para quem já trabalhava antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, mas que não tinha reunido o tempo de atividade especial para se aposentar. O segurado que se encontrar nesta situação terá que comprovar que cumpre o requisito da pontuação referente à soma da idade com o tempo de atividade especial e tempo de contribuição, nos seguintes termos: (i) 66 pontos + 15 anos de atividade especial, para as atividades de alto risco; (ii) 76 pontos + 20 anos de atividade especial, para as atividades de médio risco; (iii) 86 pontos + 25 anos de atividade especial, para as atividades de baixo risco.
Já para os segurados que ingressarem no sistema previdenciário após a Reforma é necessário cumprir o requisito da idade mínima de 55, 58 e 60 anos, além do tempo de atividade especial de 15, 20 e 25 anos, respectivamente.
Ocorrerá que os segurados completem o requisito de tempo de serviço especial antes de completar o requisito da soma dos pontos da idade com o tempo de contribuição normal (ou o requisito da idade), situação que obriga ao empregador a continuar a pagar a contribuição adicional do RAT até que se perfectibilize o requisito da pontuação (66, 76 ou 86 pontos) ou o requisito da idade (55, 58 ou 60 anos). Há ainda de se observar que o empregador continua a pagar a contribuição nos percentuais estabelecidos em lei (6%, 9% e 12%), enquanto que o segurado passará a perceber remuneração inferior àquela que receberia antes da reforma constitucional.
A nova sistemática tornou inaplicável a norma de incidência do adicional ao RAT, disposta nos §§ 6º e 7º do art. 57, da Lei nº 8.213/1991.
Destarte, com a vinculação do direito à aposentadoria especial também ao requisito da idade mínima, ocorreu uma desvirtuação do binômio custeio-benefício, o que afeta a própria justificativa jurídica do recolhimento do adicional do RAT pelo empregador, uma vez que não é mais o tempo de exposição do segurado ao agente nocivo que, exclusivamente, gerará o direito à aposentadoria especial e o consequente custo ao sistema previdenciário.
Com a Reforma da Previdência, não existe mais, para a maioria dos trabalhadores, a possibilidade de ter o gozo da aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, devido a inclusão do requisito da idade mínima, bem como inexiste, para a maioria dos casos, a possibilidade de receber o valor integral equivalente a 100% da média salarial.
O pressuposto da norma e a justificação para o pagamento do adicional do RAT era que o segurado se aposentaria após um período menor de contribuição (25, 20 ou 15 anos), bem como com valor integral (100% da média salarial), situações essas que não são mais viáveis, para a quase totalidade dos casos de aposentadoria.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/19, ocorreu uma clara violação ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema de aposentadoria especial ao criar uma fonte de custeio desvirtuada da correspondente concessão de benefício previdenciário, tornando questionável a validade da contribuição adicional do RAT.
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